Milhares de segurados que entraram com pedidos de auxílio-doença durante a pandemia podem ter tido o requerimento indeferido por uma falha computacional. Peritos denunciam que um problema na integração de dados do Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade (Sabi) e do Cadastro Nacional de Informações Sociais (Cnis) tem recusado benefícios a quem tem direito.
O vice-presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP), Francisco Cardoso, afirma que o software entende que trabalhadores regulares estão desempregados, fazendo com que o pedido seja indeferido administrativamente. Ou o sistema não computa todas as contribuições, de modo que o benefício, se autorizado, é pago em valor inferior ao devido.
“Estimamos que um quarto dos benefícios que deveriam ser concedidos estão sofrendo algum tipo de bloqueio”, analisa o vice-presidente da ANMP.
“O sistema está defasado há 15 anos. Tentaram implementar outro, mas nunca saiu do papel”, completa.
Cardoso ainda acrescenta que a digitalização do INSS tornou mais difícil e moroso o processo de contestar decisões previdenciárias. Quem se sentir prejudicado, além de entrar com o recurso pela internet, pelo MEU INSS, pode, segundo ele, acionar a justiça para solicitar que o instituto faça a checagem de seus dados integrados ao Sabi de forma individual.
Na última quarta-feira, dia 12, a ANMP enviou um ofício ao Ministério do Trabalho e Previdência relatando o problema. O INSS diz que identificou uma instabilidade na concessão automática de benefício por incapacidade, realizada em parceria com a Dataprev, e que já corrigiu, sem prejuízos aos beneficiários. O instituto ainda alega que a “situação foi pontual e logo após o conhecimento, entre os dias 8 e 9 de janeiro, o reprocessamento da consulta ao CNIS foi realizado em 6.173 casos”.
Caracterização impedida é um dos problemas
Entre os problemas gerados pela falha na integração entre os sistemas Sabi e Cnis, a Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais apontou, no ofício enviado ao Ministério de Trabalho e Previdência, o impedimento da caracterização do tipo de benefício.
Os médicos peritos não têm conseguido informar, por exemplo, se o benefício concedido a um trabalhador é determinado por incapacidade de natureza ocupacional — ou seja, se a enfermidade é produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividades —, ou se tem origem em acidente, por não conseguirem incluir nem o CID (classificação internacional de doenças) e o Cnae (classificação de atividades econômicas).
Essa classificação é um problema porque muda as regras às quais o empregado afastado está sujeito.
“Se for determinado nexo causal com a atividade laboral, o segurado ainda tem estabilidade no emprego por até um ano contado da alta previdenciária”, explica o advogado Fernando Bosi.
Ele acrescenta que, no caso de afastamento por doença vinculada ao trabalho, o INSS pode ajuizar ação de regresso contra o empregador por ambiente não seguro requerendo os valores do benefício concedido. A empresa ainda pode ter que pagar uma alíquota do SAT/RAT maior.
“O cálculo é anual e afeta a contribuição social total, que pode chegar a mais de 27.8%”, esclarece Bosi.
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“Fiz perícia para auxílio-doença, recebi um laudo de incapacidade laborativa, só que o pedido foi indeferido por falta de período de carência, apesar de eu ter 12 meses de contribuição. Eu tinha sido desligado do meu trabalho, entrei na Justiça e fui reintegrado, mas o sistema não está atualizado e não considera o laudo da perita. Além disso, o servidor que analisa o processo não se dá ao trabalho de olhar por dentro que aquilo se trata de uma reintegração, que eu tenho todas as contribuições. Simplesmente, o sistema decide e ele indefere”.
A primeira medida a ser tomada se tiver o benefício recusado erroneamente é ligar para o 135 e pedir que o processo seja “reaberto para acerto pós-perícia”. Nesse caso, é necessário encaminhar alguns documentos. Outra opção é solicitar o pedido de revisão por recurso administrativo, através do Meu INSS. O procedimento, de acordo com o especialista em direito previdenciário social, Fernando Bosi, sócio do Almeida Advogados, demora entre 3 e 6 meses para ser apreciado.
“Caso o segurado verifique que seu benefício foi negado, apesar de a perícia ter atestado algum tipo de incapacidade, é importante que ele esgote a esfera administrativa antes de ajuizar uma ação”, aconselha Bosi.
O cofundador da legaltech Previdenciarista, Átila Abella, discorda. Como o auxílio-doença é um benefício que requer urgência, ele recomenda entrar logo com o pedido de liminar na Justiça.
“O recurso administrativo é encaminhado para uma junta de recursos e demora meses para ser solucionado. Com a liminar, o juiz costuma dar de 10 a 15 dias para que o benefício seja implantado”, diz.
“Ano passado, tivemos esse mesmo problema. Entramos com ações, ganhamos reconhecimento do pedido e pagamento dos atrasados”.
Por: Agência O Globo
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