ARTIGO: TRABALHO INVISÍVEL, GENTE DE VERDADE

Trabalho invisível, gente de verdade

No vai e vem apressado dos nossos dias, há mãos que passam despercebidas. São mãos que limpam, carregam, cozinham, consertam, orientam, acolhem. Mãos que estão por trás de tudo aquilo que nos permite viver com uma mínima sensação de ordem. Não se trata de ausência — essas mãos estão por toda parte — mas de uma invisibilidade fabricada pelo costume, pela pressa e pela hierarquia social que insiste em valorizar apenas o que aparece.

No Dia do Trabalho, os holofotes costumam se voltar às grandes conquistas, aos altos cargos, às carreiras de prestígio. Mas há uma força silenciosa, discreta e potente que mantém o cotidiano em pé: o trabalhador comum, que tantas vezes não tem sequer o nome lembrado. É o gari que varre a rua enquanto a cidade ainda dorme, a merendeira que tempera a comida com afeto e rapidez, o porteiro atento que sabe o nome de todos, mesmo que raramente seja chamado pelo seu. É a cuidadora de idosos que segura mãos enrugadas enquanto silencia as próprias dores. São os trabalhadores terceirizados, os motoboys enfrentando sol e chuva, as atendentes que sorriem mecanicamente mesmo sob tensão, as faxineiras que devolvem dignidade aos espaços. São os agentes de limpeza hospitalar que caminham entre corredores de dor, cuidando sem serem notados.

Esses profissionais sustentam, diariamente, um sistema que muitas vezes se esquece deles. São essenciais, mas raramente tratados como tal. Invisíveis não por ausência, mas por desatenção coletiva. E essa invisibilidade cobra um preço — um preço alto, sobretudo quando falamos de saúde mental. Como psicóloga e pesquisadora na área da Psicologia do Trabalho aprendi que reconhecimento não é vaidade: é uma necessidade psíquica. Ser visto, ouvido, valorizado. Ter seu trabalho reconhecido como importante. Isso preserva o senso de pertencimento, alimenta a autoestima, cria vínculos de sentido. Quando isso falta, a alma se retrai.

A falta de reconhecimento constante, a sensação de substituibilidade, o esforço não notado — tudo isso adoece. Ansiedade, depressão, estresse crônico, esgotamento. Esses não são sintomas isolados, mas respostas legítimas a um ambiente que, por vezes, desumaniza. O trabalho, que poderia ser espaço de realização e identidade, vira apenas mais um esforço para sobreviver. E a saúde mental, tão negligenciada em certos segmentos, se fragiliza em silêncio.

Este texto não pretende acusar nem provocar embates. Quer apenas lembrar. Lembrar que o mundo não se move sozinho. Por trás de cada tarefa que parece simples, existe uma pessoa. E toda pessoa merece ser vista. Neste Dia do Trabalho, que nossa homenagem vá além das conquistas formais e abrace as mãos que constroem silenciosamente o cotidiano. Que nossa escuta se volte para quem tantas vezes foi silenciado. Que possamos exercitar um olhar mais amplo, mais atento, mais humano.

Porque o que sustenta o mundo, muitas vezes, são as mãos que ninguém vê. E cuidar da saúde mental desses trabalhadores é também um compromisso coletivo com a dignidade. Trabalho digno não é só salário. É respeito. É reconhecimento. É cuidado.

 

Por Adriana Meneses dos Santos – Jornalista (DRT 1308) e Psicóloga (CRP  19/4184)

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