O glamour do cansaço: por que precisamos parar de romantizar o adoecimento pelo trabalho
Por Adriana Meneses dos Santos – Jornalista e Psicóloga (CRP 19/4184)
Nos últimos tempos, tornou-se comum ver nas redes sociais declarações como “trabalhando no terceiro turno”, “mais um dia vencido à base de café e ansiedade” ou “corpo cansado, mas a meta está batida”. Essas frases, muitas vezes acompanhadas de selfies com olheiras, agendas lotadas e xícaras de café, viralizam, ganham curtidas e, mais grave ainda, alimentam a ideia de que estar adoecendo pelo trabalho é sinal de competência, força ou sucesso.
Vivemos um tempo em que o sofrimento psíquico virou performance. O esgotamento físico e mental tem sido exibido como medalha de honra em uma competição invisível de produtividade. Romantiza-se o “terceiro turno” como se trabalhar exaustivamente fosse admirável. E enquanto isso, os corpos e as mentes adoecem — silenciosamente, ou pior: aplaudidos.
Essa cultura do “cansaço produtivo” tem consequências sérias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu a Síndrome de Burnout como um fenômeno ocupacional, e os índices de transtornos de ansiedade e depressão relacionados ao trabalho crescem a cada ano. Estamos diante de uma epidemia silenciosa de exaustão emocional, mascarada pelo verniz da eficiência e da hiperatividade.
Não se trata de demonizar o trabalho. Trabalhar é parte importante da nossa identidade, do nosso sustento, das nossas conquistas. O problema é quando o trabalho deixa de ser uma parte e passa a ser o todo. Quando esquecemos que, por mais qualificados, comprometidos ou apaixonados que sejamos por nossas funções, somos completamente substituíveis nos espaços laborais. Se adoecermos ou partirmos, a vaga será preenchida. A engrenagem continuará girando.
É por isso que precisamos urgentemente ressignificar a ideia de descanso. Descansar não é preguiça, não é fracasso, não é luxo. É autopreservação, é saúde mental, é escolha ética por si mesmo. Precisamos parar de nos sentir culpados por desligar o celular, por dizer “não”, por respeitar nossos limites. O corpo fala — e se não o escutarmos, ele grita.
Nas redes sociais, urge também uma responsabilidade coletiva: que tal, ao invés de exaltar o excesso, começarmos a valorizar o equilíbrio? Que tal normalizar o “hoje eu só descansei e está tudo bem”? Que tal compartilhar momentos de autocuidado com o mesmo entusiasmo com que se compartilham reuniões e metas batidas?
Buscar o equilíbrio entre trabalho e saúde mental não é fácil, especialmente em uma sociedade que nos ensina que nosso valor está diretamente atrelado ao quanto produzimos. Mas é possível — e necessário. Reorganizar prioridades, estabelecer limites, acolher a própria vulnerabilidade e, sobretudo, entender que descansar não precisa de justificativa.
Se há algo que devemos romantizar, que seja o direito de viver uma vida que não nos consuma até a última gota de energia. Porque, ao fim do dia, o que permanece não é o status de quem mais se sobrecarregou, mas a saúde de quem soube viver com inteireza. (Foto: Pexels)
No comments yet.
RSS feed for comments on this post. TrackBack URL